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11 de jul. de 2007
CIRCUNCISÃO FEMININA
Circuncisão feminina - O que devemos pensar?
A circuncisão feminina é um ritual comum praticado em certos países africanos, especialmente na Costa do Marfim, onde vivo. É realizado por certos grupos étnicos e consiste em remover uma parte maior ou menor dos lábios – as dobras macias de pele ao redor da vagina – e o clítoris da mulher ou de uma menina. O clítoris corresponde ao pênis do homem.
Há quatro tipos de circuncisão feminina:
Primeiro grau – remoção da parte superior do clítoris – isto é semelhante à circuncisão masculina.
Segundo grau – remoção completa do clítoris e de parte dos pequenos lábios.
Terceiro grau – remoção completa do clítoris e dos pequenos e grandes lábios.
Quarto grau ou infibulação – isto consiste em suturar os dois lados da vulva após a remoção do clítoris e dos pequenos e grandes lábios. É deixado um orifício pequeno para a menstruação.
A partir do segundo grau, estamos falando em mutilação. Problemas graves de saúde podem ser causados pela excisão, especialmente durante o parto.
A idade da circuncisão varia de acordo com o grupo étnico. Pode ser desde os sete dias de idade até quando se dá à luz pela primeira vez. Geralmente são as mulheres mais velhas que se encarregam deste ritual. Usam objetos afiados como facas, lâminas de barbear ou certas plantas.
As razões para a circuncisão
Muitas razões são dadas. No entanto, o objetivo principal é manter a mulher em submissão ao homem. A circuncisão impede a mulher de desfrutar do sexo na sua totalidade e sendo assim, as mulheres têm uma vida sexual de completa resignação. São mais dóceis porque sentem menos prazer. Algumas pessoas dizem que as mulheres que não foram circuncidadas não podem conceber.
No caso da infibulação, é para garantir a fidelidade da mulher. Na verdade, cada vez que o marido sai em viagem ele realiza a infibulação e no seu retorno ele ‘rasga’ os pontos.
As complicações
Imediatas…
* sangramento grave, às vezes resultando em morte
* ferimentos causados a órgãos vizinhos como a uretra e reto
* infecção devido à falta de higiene, sendo a mais séria o tétano.
Posteriores…
* dores severas durante as relações sexuais
* problemas sexuais, pois a mulher não sente desejo nem prazer
* infecções vaginais repetidas
* fístulas.
Riscos durante o parto
Nas mulheres circuncidadas, geralmente somos forçados a fazer cortes grandes – episiotomias – durante o parto pois a abertura da vagina é tão reduzida em tamanho. Corre-se assim o risco de lesar o reto ou a uretra.
Um caso muito trágico que ocorreu durante o meu trabalho afetou-me bastante. Um dia uma jovem de 18 anos chegou aqui nos primeiros estágios do parto. Era a sua primeira gravidez. Ao examiná-la descobrimos que ela tinha uma circuncisão de segundo grau. Achamos que seria possível um parto normal pois o bebê era pequeno em tamanho. No entanto, quando o parto começou a demorar muito mais do que o normal, concluímos que havia um problema. Por não ter havido nenhum progresso, decidimos que havia necessidade de uma cesariana. Infelizmente, enquanto esperavamos pelo equipamento cirúrgico – pelo qual se tem de pagar – o bebê morreu.
A circuncisão tinha tornado a pele tão fina e rígida que o parto se tornou impossível. Ao remover o bebê morto, a vagina da mãe estava totalmente destruida e tivemos que suturá-la. Nos dias posteriores ao parto, a mãe teve perda de urina, o que nos fez temer o aparecimento posterior de uma fístula.
Nossa resposta
Como devemos reagir quando nos deparamos com esta prática? A circuncisão feminina é um problema importante e muito mais profundo do que se imagina. Qualquer pessoa que tente atacar este problema é confrontada com vários obstáculos – o maior dos quais é o silêncio das mulheres afetadas.
A circuncisão representa um assunto polêmico, assim como qualquer outra coisa relacionada com a sexualidade. É muito raro uma mulher consultar um médico sobre um problema ligado à sua circuncisão. Foram as mulheres intelectuais islâmicas que começaram a levantar o véu sobre esta prática.
Outro problema que encontramos é que as mulheres não educadas nem sempre concordam que a circuncisão feminina deve ser proibida. De fato, elas querem frequentemente que as suas filhas sejam circuncidadas. Estão convencidas de que este ato é benéfico, apesar dos perigos que correm.
Um terceiro problema é a nossa ignorância sobre os grupos étnicos envolvidos. Qualquer ação eficaz deve ser realizada com grande sensibilidade. Isto significa um trabalho longo e difícil para se compreenderem as suas crenças.
Como cristãos, podemos tornar nossas irmãs conscientes dos efeitos e riscos de saúde ligados a esta prática. Sabemos que a sexualidade para o casal cristão é um presente de Deus para seu prazer. Com as nossas irmãs não crentes, podemos apenas levantar estas questões mais tarde, quando tivermos ganhado sua confiança.
Se o número de mulheres educadas aumentar, é certo que esta prática entrará em declínio. A luta contra a circuncisão feminina é certamente algo a longo prazo mas que vale a pena. É apenas então que certas mulheres conhecerão a felicidade que um casal experimenta em sua intimidade e de estarem livres dos riscos para a sua própria saúde e de seus bebês.
A Dra Halimatou Bourdanne é médica. O seu endereço é 22 BP, Abidjan 22, Costa do Marfim, África Ocidental.
A difícil decisão de Howa
Na áfrica ocidental, há um grupo étnico que sempre praticou a circuncisão em 100% das suas moças. Este grupo étnico pratica um tipo de excisão que remove o clítoris e os dois pequenos lábios. Esta prática continua apesar de medidas governamentais para erradicá-la. Hoje em dia, é a influência da igreja local que está a começar a desafiar esta prática.
O que segue é uma história de uma jovem que se atreveu a resistir a esta prática. Para evitar que seus problemas aumentem, mudamos não apenas o nome dela mas também o nome do seu país e o nome da sua amiga que escreveu este artigo.
Alguns anos atrás, Howa retornou de um país vizinho à região onde mora. Naquela época, estava na idade de ser circuncidada mas ainda não estava noiva. De acordo com a tradição, uma moça deve ser circuncidada antes da chegada de seu primeiro bebê, caso contrário, a saúde da criança estará em risco se o clítoris tocar o bebê durante o parto.
Normalmente é a moça que decide e pede para ser circuncidada. Ela vai ao seu pai ou esposo que deve então entrar em acordo com as mulheres mais velhas responsáveis por realizarem as circuncisões. Alguns anos atrás, alguns membros deste grupo étnico tornaram-se cristãos. A questão das circuncisões foi discutida e, tal como o governo, a igreja assumiu uma posição contra esta prática. Em anos recentes, moças jovens cristãs tentaram opôr-se à circuncisão feminina mas uma após a outra foram finalmente derrotadas. As pressões sociais são muito fortes.
Howa é a única até hoje que manteve este propósito. O que ela sofreu devido à sua decisão é difícil de imaginar por nós que estamos acostumados aos nossos ‘direitos humanos’.
Mas voltando à história… Quando os parentes de sua mãe perceberam que Howa não tinha nenhuma intenção de ser circuncidada, seu tio a prometeu em casamento a um homem não cristão, contra a vontade dela. Ele pensava que, uma vez casada, a circuncisão de Howa seria mais que certa porque o seu marido teria o poder de influenciá-la. No entanto, Howa tinha suas próprias idéias sobre o casamento. Ela também percebeu que esta era uma armadilha e fugiu para se esconder na casa de uns cristãos que a protegiam.
Tudo isto levou a muitas perseguições. Ela apanhou tareia mais de uma vez. Finalmente encontrou ajuda e proteção do governo. Com a ajuda das autoridades locais, foi-lhe permitido voltar para sua aldeia mas ela preferiu permanecer próximo dos cristãos.
Um ano mais tarde, casou-se com um jovem da igreja. Oito meses depois Howa recebeu a visita de sua mãe. Howa estava grávida nesta época. A sua mãe não podia acreditar que Howa tinha se casado com um cristão e estivesse prestes a ter um bebê sem ser circuncidada antes. Aquilo nunca tinha sido feito no passado e a mãe não queria que a sua filha fosse a primeira a estragar a tradição! Toda a família da parte da mãe ficaria envergonhada.
Howa resistiu à sua mãe em todas as suas tentativas de fazê-la voltar à aldeia de seus pais. Ela tinha receio quanto à sua segurança pessoal – de apanhar tareia – e também da forte pressão de seus pais – insultos, maldições, etc. Durante as semanas antes do parto, a pressão cresceu. A sua mãe levou o problema ao chefe da aldeia para ele o julgar. Howa e seu marido foram chamados para uma reunião com o chefe da aldeia, a mãe e muitas das pessoas idosas. O marido de Howa foi acusado de roubar a sua esposa porque ele não tinha recebido a permissão ou a benção da família da mãe.
A mãe de Howa suplicou e chorou diante do chefe da aldeia, pedindo-lhe que a ajudasse a forçar Howa a ser circuncidada. O chefe da aldeia no entanto não podia fazer nada pela mãe, por causa da lei da região, que ele conhecia muito bem. Ele aconselhou a mãe a não forçar a sua filha mas, se necessário, amaldiçoá – e de fato, deserdá-la. A mãe seguiu o seu conselho e em frente das outras pessoas, ela disse a Howa que se arrependia do dia em que a trouxe ao mundo.
Posteriormente, Howa deu à luz um menino bonito. Toda a comunidade cristã se regozijou. No entanto, soube-se que as pessoas que estavam contra o jovem casal tinham pedido aos talismãs – objetos especiais que acreditam que tenham poderes mágicos – pela vida de Howa, seu marido ou do bebê.
Os parentes de Howa por parte da mãe contactaram depois a família do marido de Howa. Ambos os grupos familiares atuaram juntos contra o jovem casal. Foilhes muito difícil para viverem normalmente. Eram frequentemente ameaçados e insultados. Mais de uma vez, os pais vieram para raptar Howa, mas não tiveram sucesso. Os vizinhos cristãos apoiaram Howa e seu marido, e a Polícia e o governo local vinham para dar proteção, quando solicitada.
As autoridades viram esta tarefa como uma maneira de trazer paz entre os dois grupos. Como o casamento de Howa era oficial e reconhecido pelo Estado, em princípio o governo estava do lado do jovem casal. Os parentes por parte da mãe insistiram que o casamento não era mais válido e exigiram o divórcio e retorno de sua filha. E então, enquanto tudo isto estava a acontecer, o bebê de Howa morreu após uma doença que durou dois dias!
A história ainda continua nos dias de hoje. No momento, Howa voltou para a casa de seu pai para mostrar que ela não tinha sido roubada mas que decidiu casar com o jovem cristão. Ela ainda não foi circuncidada. Mas uma de suas amigas cristãs foi circuncidada há três dias…
Notas para discussão …
* Alguns dos nossos leitores podem talvez dizer a si mesmos, ‘Eu realmente não compreendo como esta pressão pode levar uma moça a pedir para ser circuncidada’ mas em África, as pressões do grupo são muito fortes – o grupo é mais importante do que o indivíduo. Num caso como o de Howa, ela quer fazer algo que o grupo não aceita e o grupo fará o que puder para forçá-la a aceitar aquilo em que acreditam. Que tipo de influências podem alterar as crenças de grupos no caso de questões vitais como a circuncisão feminina?
* A circuncisão é vista frequentemente como uma prova de que a mulher é corajosa. Ela pode também ser vista como uma questão de orgulho. As mulheres não gostam de ser consideradas fracas. Elas querem o respeito das pessoas. Insultos e outras pressões podem levar uma moça a ter uma circuncisão. Como podem mulheres como Howa ser apoiadas durante este tipo de pressão contínua?
* As pessoas idosas acreditam que, após a excisão, uma moça se torna dócil e permanecerá fiel a seu marido. Que tipo de respostas podemos dar em relação a esta crença?
* As mulheres idosas que realizam circuncisões pensam que são modernas pois substituíram a faca tradicional e usam agora uma lâmina nova em cada operação. Estas mulheres idosas geralmente são vitais para manter costumes como as circuncisões femininas. Pode pensar em maneiras úteis pelas quais elas podem ser incentivadas a considerar outros pontos de vista?
* Algumas pessoas dizem que os homens incentivam as circuncisões femininas como uma maneira de exercer poder e controle sobre as mulheres. O que podem os homens fazer para incentivar discussões sobre estas questões?
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