2 de nov. de 2007

D N A..OQUE É ISSO??


DNA, ou ADN (em português), é a abreviatura de ácido desoxirribonucléico (em inglês, DNA: Deoxyribonucleic Acid). Trata-se uma molécula orgânica que reproduz o código genético. Quando transcrita em RNA, tem a capacidade de traduzir proteínas. É responsável pela transmissão das características hereditárias de cada espécie de todos os seres vivos. Tem a forma parecida com uma escada espiral cuja disposição dos degraus se dá em quatro partes moleculares diferentes. Esta disposição constitui as chamadas quatro letras do código genético. O DNA, consagrada abreviação em língua inglesa da substância ácido desoxirribonucléico, representa provavelmente a molécula1 mais famosa do mundo. Talvez apenas a fórmula H2O seja mais conhecida, mas poucas pessoas que não sejam químicos de formação saberão descrever a forma tridimensional da molécula da água (na sua forma gasosa, os dois átomos de hidrogênio, H, formam um ângulo de 105°, tendo no vértice o de oxigênio, O). Menos gente ainda, decerto, deixará de ter visto e memorizado a estrutura de escada de pintor torcida do DNA, tradicionalmente descrita como "dupla hélice". Ela se tornou um ícone do final do século 20, sobretudo depois que o consórcio internacional Projeto Genoma Humano e a empresa norte-americana Celera soletraram, no ano 2000, a maioria dos caracteres químicos que constituem os quase 3 bilhões de degraus das longuíssimas cadeias de DNA nos 23 pares de cromossomos da espécie humana. Essa é a imagem por excelência da ciência natural nos dias de hoje, como foi na década de 50 o desenho esquemático do átomo (simbolizando a não menos temível energia nuclear). A cada oportunidade em que algum tema de genética ou biotecnologia alcança a ordem do dia - e isso ocorre com freqüência cada vez maior -, lá está a dupla hélice a sinalizar um entrelaçamento de esperança e temor. Do genoma humano à clonagem de ovelhas e homens, da identificação de genes envolvidos no câncer à polêmica dos alimentos transgênicos, dos testes de paternidade às discussões sobre o sempre presente fantasma da eugenia, pode-se contar que a figura do DNA aparecerá associada, seja na vinheta da TV, seja na capa do livro, seja na ilustração do jornal - seja até em anúncios de xampu e de gasolina, nesses dois casos como sinônimo de eficácia molecular e de autenticidade. Complexidade vs. Determinismo Tal onipresença decorre não apenas da importância que as biotecnologias vêm assumindo para a medicina, mas também do impacto simbólico e cultural que o conhecimento da estrutura do DNA e as inovações que propiciou tiveram nas últimas cinco décadas, desde que o norte-americano James Watson e o britânico Francis Crick a decifraram, no famoso artigo para a revista científica Nature publicado no dia 25 de abril de 1953. Com a imodéstia que sempre lhe foi característica, Watson afirmou em suas memórias que esse fora "talvez o mais famoso evento em biologia desde o livro de Darwin". E não sem motivo: ficar sabendo que em cada uma das células do próprio corpo (10 trilhões delas, distribuídas em cerca de mil tipos diferenciados) há um conjunto virtualmente idêntico de 6 bilhões de letras químicas estreitamente associadas com as características mais pessoais é uma dessas revelações marcantes do conhecimento, como a descoberta de que a Terra, vista do espaço, é um planeta azul - algo que hoje parece óbvio, mas que só foi confirmado pelos olhos do cosmonauta soviético Iúri Gagárin em 12 de abril de 1961. Afeta em sentido profundo o modo humano de compreender o mundo e os próprios homens, por vezes num sentido e numa proporção que extrapolam o próprio conteúdo objetivo e comprovado da descoberta científica, como no caso do problemático impulso dado ao determinismo genético pelo que há de impressionante nos avanços da biologia molecular. O desvendamento da intimidade da matéria viva cria uma promessa e uma ilusão de controle ou precisão que a tecnociência biológica ainda está longe de alcançar. Muita gente culta acredita piamente que a transcrição do genoma humano tem o poder de desvendar, por si, os mecanismos envolvidos em processos fisiológicos tão decisivos quanto câncer, envelhecimento e infecções, quando qualquer pessoa minimamente familiarizada com os rumos atuais da genômica sabe que a cada avanço nessa área corresponde igualmente um aumento de complexidade. Muitas vezes, compreender pode também significar que o controle almejado pelo saber é mais difícil do que se esperava, ou mesmo pouco provável. Um exemplo recente e eloqüente é o ainda mal compreendido fenômeno da interferência de RNA (RNAi, na abreviação em inglês com que se tornou mais conhecido), destacado pela prestigiada revista especializada norte-americana Science como o principal avanço da pesquisa científica no ano de 2002 e explicado a seguir. O pressuposto de toda a engenharia genética é que, ao modificar-se o DNA de um organismo incluindo em seu genoma um ou mais genes de seqüência conhecida (ou, numa estratégia diversa, silenciando genes para que o organismo pare de sintetizar certas substâncias), a planta ou animal passará a produzir (ou deixar de produzir) as proteínas correspondentes. É o que se faz com plantas transgênicas, por exemplo, incluindo nelas trechos de DNA extraídos de bactérias para que seu metabolismo passe a tolerar um herbicida (caso da soja Roundup Ready, da empresa Monsanto, resistente ao agrotóxico Roundup, o glifosato) ou passe a fabricar um inseticida nos seus próprios tecidos (caso do milho Starlink, da Aventis CropScience, que secreta a proteína inseticida Cry9C para aniquilar lagartas de borboletas e mariposas que se alimentam da planta). Mas nem sempre são esses os efeitos obtidos. Em alguns casos, cessa por completo a produção das substâncias pretendidas. Isso deixava os pesquisadores desconcertados até o começo dos anos 1990, quando se descobriu que pequenos trechos de RNA podiam modular a expressão (leitura) de genes pela maquinaria bioquímica das células. A prova definitiva dessa forma de interferência genética (daí o nome "interferência de RNA") veio em 1998, quando pesquisadores dos Estados Unidos - Andrew Fire (Carnegie Institution) e Craig Mello (University of Massachusetts Medical School) - enxertaram fitas duplas de RNA num tipo de verme e demonstraram que elas bloqueavam a expressão dos genes que continham justamente trechos de DNA coincidentes com as seqüências de RNA enxertadas. O mesmo fenômeno da RNAi foi posteriormente observado em insetos e outros organismos, provando a participação do RNA no que se convencionou chamar de silenciamento de genes. A interferência de RNA poderia ter-se transformado numa nota de rodapé da biologia molecu-lar, mera excentricidade bioquímica na já furiosa complexidade do metabolismo celular, não fossem indicações crescentes de que o mecanismo talvez seja universal entre organismos superiores, como animais e plantas. Ele teria sido herdado de ancestrais bacterianos, que o teriam desenvolvido há centenas de milhões de anos para proteger-se do ataque de vírus (desarmando os ácidos nucléicos que estes injetam na vítima para obrigá-la a produzir quantidades industriais de cópias do próprio vírus). Além disso, pode-se interpretar a RNAi como uma das mais flagrantes contradições de um pilar da biologia molecular, o Dogma Central formulado por Francis Crick em 1957: o fluxo de informação só se faz no sentido DNA ' RNA ' proteína, nunca no inverso (como ressalvou Sandro de Souza, tal dogma já vinha perdendo muito de seu peso desde os anos 1980, quando começaram a ser identificadas formas quimicamente ativas de RNA e continuou a desfazer-se a noção de que ele fosse mero intermediário entre DNA e proteínas). Ora, se o RNA pode silenciar genes (DNA), não é descabido dizer que o fluxo de informação se inverte. De um ponto de vista utilitário (e certamente é dessa perspectiva que flui o entusiasmo dos pesquisadores), isso significa também que toda uma nova classe promissora de ferramentas se apresenta para os biotecnólogos, pois eles talvez não precisem mais modificar o genoma - isto é, o DNA contido nos cromossomos - de um organismo para obter os resultados pretendidos, seja a resistência a um herbicida numa planta comercial, seja o tratamento de uma enfermidade humana. Em princípio, os mesmos efeitos poderiam ser alcançados sem reformar o "código da vida" no núcleo celular, bastando adicionar pequenos RNA ao seu citoplasma (o "recheio" das células). Não seria ainda, decerto, o desabamento do edifício da engenharia genética, lenta e arduamente erguido nas últimas três décadas, mas representaria no mínimo uma mudança radical de sua planta, com a adição de andares imprevistos a um prédio térreo, que mereceria - quem sabe? - ser relançado com o nome de "engenharia biomolecular". Genômica em baixa No momento em que este volume chega às livrarias, em março de 2003, o anúncio pomposo da decifração do tal "código da vida" feito pelo então presidente norte-americano Bill Clinton e pelo premiê britânico Tony Blair, em 2000, está para completar três anos - sem que nem um único medicamento desenvolvido diretamente com base em informações divulgadas naquele dia, e em artigos científicos sete meses depois, tenha sido lançado no mercado. Uma das estrelas da cerimônia de 26 de junho na Casa Branca, o dublê de cientista e empresário Craig Venter, cuja empresa Celera forçara o concorrente Projeto Genoma Humano a antecipar em quase três anos a transcrição dos cromossomos da espécie, vem desde então perdendo prestígio - pelo menos no mundo das expectativas comerciais e financeiras da biotecnologia aplicada à medicina. Em 23 de janeiro de 2002, Venter deixou a presidência da Celera, que reverteu suas linhas de atuação para métodos mais tradicionais de desenvolvimento de remédios, uma vez que não estava decolando a tentativa de fazê-lo com base nas informações genômicas produzidas no atacado por Venter. Os genes seguramente contêm muitos detalhes relevantes para entender a espécie humana, mas não revelaram ainda o mapa dos lucros bilionários que as gigantes farmacêuticas buscam. A complexidade dos genes é tanta, e tão galopante (a julgar pelos resultados das pesquisas mais recentes, como a da RNAi), que não seria exagero dizer que a própria unidade operacional do conceito se encontra ameaçada, o que não impede muitas pessoas de continuar acreditando que genes equivalem a uma espécie de destino, e um destino que seres humanos se acreditam capazes de modificar com as ferramentas da engenharia genética. O propósito deste livro é mostrar que tal crença é correta e, ao mesmo tempo, despropositada, uma vez que a engenharia genética tem, sim, meios de produzir efeitos espantosos sobre seres vivos, mas que nem por isso se encontra na posição de ditar-lhes metabolismo e comportamento absolutamente previsíveis e controlados. Para chegar a esse objetivo, o primeiro passo é entender a estrutura da molécula de DNA, a famosa dupla hélice, explicada no capítulo 1. A função desse primeiro texto é tornar claro como a arquitetura da molécula encarna de forma elegante a realização de duas funções biológicas primordiais: primeiro, for-necer um molde para a fabricação de milhares de proteínas cuja ação concertada resulta na vida de um indivíduo de determinada espécie; depois, garantir que a geração seguinte receba um pacote mínimo de moldes para a continuação da espécie (ainda que comportando alguma variação, sem a qual a seleção natural não pode agir). Esse mesmo capítulo 1 buscará ainda elucidar, sem muita minúcia bioquímica, as engrenagens da máquina celular para duplicar o DNA (quando a célula se divide) e para ler sua seqüência (quando sintetiza as proteínas de que necessita). Os dois capítulos seguintes (2 e 3) possuem uma característica mais histórica, resumindo a longa e tortuosa trajetória entre as conjeturas de Gregor Mendel sobre a hereditariedade, na segunda metade do século 19, quando a palavra "gene" nem mesmo existia, e a plena compreensão das relações da seqüência de ácidos nucléicos (DNA e RNA) com o que há de específico em cada proteína. Entre uma coisa e outra, foi preciso provar que a substância da hereditariedade era o DNA, e não uma proteína, façanha nem sempre lembrada de Oswald Avery, em 1944. Depois, desvendar a organização bioquímica tridimensional do ácido, o feito muito mais famoso dos então obscuros Watson e Crick, em 1953, que derrotaram na corrida ninguém menos que Linus Pauling. O evento, que agora completa meio século, foi seguido de quase uma década de esforços para decifrar a relação entre essa estrutura e a das proteínas, capitaneados por Crick e pelo físico russo-americano George Gamow, ambos batidos na disputa pelo desconhecido Marshall Nirenberg, que corria por fora. Na Conclusão, serão retomadas algumas descobertas e refinamentos da pesquisa genômica que, assim como a interferência de RNA, estão reformulando a visão dos genes e do papel do DNA. Serão também oferecidas algumas indicações sobre o que se pode e deve esperar das biotecnologias, à luz - ou na penumbra - da complexidade assim revelada. Espera-se com isso que este pequeno volume se torne uma contribuição para que mais admiradores da biologia, molecular ou não, venham a perceber quanta sabedoria há na frase do geneticista de populações norte-americano Richard Lewontin, um crítico precoce e incansável da megalomania genômica: "Nossa biologia fez de nós criaturas que estão constantemente recriando seu ambiente psíquico e material, e cujas vidas individuais são os resultados de uma extraordinária multiplicidade de trajetórias causais entrecruzadas. Portanto, é a nossa biologia que nos torna livres".





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